Ilha Sul

A Ilha Sul, também chamada de Manto Verde, é a mais próxima da Península de Ruff. O lugar leva este nome por ter uma vegetação muito densa e fechada, tudo isso cercado por rochas que dificultam a entrada de grandes embarcações. Bem ao fundo desta floresta, no topo de uma montanha não muito alta, nasce o rio que tanto gera vida nesta ilha misteriosa. Poucos se arriscam pela ilha, que é constantemente visitada por tritões. É possível encontrar alguns artefatos antigos desta raça, como peças de ouro e pedra esculpidas, e alguns dizem que é este o motivo dos tritões sempre visitarem a ilha : para reaverem seus bens antigos.

Não existem muitos animais ou criaturas vivendo aqui, a ilha é deserta em boa parte, mas nunca se sabe o que se esconde por entre as árvores. Existe uma trilha feita por goblins que leva até a divisa com a Ilha Norte. Ali uma ponte firme de madeira conecta as duas ilhas. Sem a ponte é praticamente impossível atravessar, pois as ilhas são separadas por uma garganta e o mar passa violentamente por entre elas. Ano a ano parece que as ilhas se separam cada vez mais.

De uma coisa tinha certeza, lidar com aquelas criaturas seria cansativo. Em outra hora, com a devida motivação, talvez poderia até mesmo encontrar alguma diversão ou alivio naquela conversa, mas as palavras sem sentido apenas serviam para me cansar ainda mais. Lidar com eles em minha situação seria uma dor de cabeça que faria de tudo para ser evitada, se entregasse logo o artefato para aquele deus, poderia rapidamente encontrar minha recompensa naquela missão, e sinceramente esperava que ela valesse o trabalho que tinha arrumado. Mas antes disso, teria de falar com as criaturas, elas que até então não tinham nada como nomes, pediam justamente a mim para nomea-las, o pior de tudo é que sendo como eles eram, duvidava que pudessem falar quem dirá se lembrar dos nomes que eu diria, precisava ser simples.

- Você será o Dentuço. Falava apontando ao vermelho. - Você é o Rato. Dirigia-me ao branco. - Você será Bláák. Apontava para o verde escuro. - E você se chamará Orelhas. Referia-me ao verde claro.

Os nomes eram simplórios e simples de lembrar, um deles me parecia ter os maiores dentes, outro inegavelmente me lembrava dum rato, o terceiro apenas conhecia uma palavra, e o ultimo possuía as menores orelhas duvidava que eu esquecesse cedo aqueles nomes. Passado isso, voltava a ouvir os pequenos, Orelhas parecia saber alguma coisa, mas como os outros ele ainda nutria algum medo por mim e pelos deuses, não parecia disposto a fazer qualquer coisa antes que eu encontrasse o deus velho. Também não tinha muita sorte perguntando sobre o tritão que parecia ter desaparecido no meio da confusão, ter mais um a solta querendo minha cabeça era uma preocupação, mas duvidava que o peixe assustado fosse voltar aquele vilarejo tão cedo. De toda forma, eu havia começado aquela farsa, era eu quem deveria termina-la, ao menos poderia ter uma direção do local onde estava o deus, a moeda era minha guia até o objeto divino, e não até o deus. Mas apenas por precaução voltaria a pegar a moeda que me guiava até o artefato da missão e a conferiria.

- Muito bem, vocês quatro me mostrarão o caminho. Diria para os quatro que haviam se apresentado, preparando-me para segui-los pelo caminho apontado.

Achava hilariante a reação das criaturas aos seus nomes, não sabia identificar se estavam sendo sarcásticas ou se eram estúpidas, mas se considerasse as ações anteriores, a segunda opção parecia muito mais realistas. Se eles gostaram de nomes como aqueles, quem era eu para dizer o contrario? Apenas acenava, tinha feito um bom trabalho nomeando eles, ao menos lembraria facilmente qual deles era qual. De toda forma caminhava sendo guiado pelos novos servos, não tinha como saber se o caminho que trilhava era o correto ou qualquer coisa do gênero, mas ainda assim não tinha melhores escolhas, o tempo estava prestes a acabar, e realmente gostaria daquele pagamento. Se qualquer coisa inesperada acontecesse no percurso, poderia lidar quando acontecesse, até lá apenas podia me manter atento.

O corpo todo doía, tinha mais que uma dúzia de motivos para simplesmente abandonar aquela missão, descansar parecia uma ótima ideia, mas em algum lugar na cabeça, sentia uma voz que repetia que ignorar um deus não era uma ideia genial. Talvez fosse isso que me motivava aquele caminho, um longo trecho de árvores que pareciam desconfortavelmente iguais, até que aquela figura surgia. Vinha de lugar nenhum exatamente como antes, o mesmo velho enrugado e estranho. A forma que ele surgia era estranha, tanto quanto as palavras que ele dizia, estava acostumado em clientes tentando sabotar um pagamento, mas um deus? Era tão digno de pena poderia rir, na verdade até mesmo o faria, mas as costelas doíam demais para isso. Ao invés disso apenas sorria com todos os dentes, tirando a moeda e a jogando aos pés daquele ser.

- Ao menos vejo que não nenhum deus do tempo. Eu não falho em contratos, ainda estou no prazo, no limite, mas ainda no prazo. Parava me apoiando na lança. - Além disso, não acha que alguém com tantos poderes, poderia ao menos dar um pagamento para um mortal que sobreviveu a uma missão mortal em seu nome? Se preferir, não reclamaria em ser curado antes de discutirmos o preço.

Céus como tinha vontade de espancar aquele deus charlatão. Na verdade começava a duvidar que aquele velho fosse realmente um deus, até Kenna parecia passiva a erros vez ou outra, ainda que nunca tivesse realmente visto algo parecido. Sempre me irritava o quão certa ela sempre estava, portanto segurar a língua parecia a atitude mais apropriada no momento. Dava de ombros, fungando da chacota do homem, não estava realmente mendigando e sim cobrando pelos serviços prestados, por que haveria de trabalhar para alguém como aquele ser, sem ganhar nada em troca? Podia ser realmente idiota, mas nunca havia sido este tipo de idiota, trabalhar de graça era algo que simplesmente repudiava.

- Prefiro pensar nisso como uma cobrança. Falaria mantendo o deboche no rosto. - Que tal aquilo que todo mortal idiota quer? Imortalidade. Claro, a aceito sem que ela me torne em um monstro ou qualquer coisa do gênero, só a boa e velha imortalidade que não mude meu corpo em nada. As criaturas estavam incrivelmente quietas, estranho. Mas de toda forma me acostumaria com aquilo, ao menos era melhor do que eles saltando por ai atirando merda em todos nós.

As risadas daquele ser começavam a me dar dor de cabeça. Na verdade, provavelmente a dor de cabeça tinha mais a ver com a perda de sangue e os ossos quebrados, mas isso era apenas um detalhe menor. De certa forma tinha a resposta na ponta da língua, mas aquela pergunta me parecia estranha, era como se sentisse que a palavra errada tornaria tudo mais difícil. Talvez tomar um momento e refletir sobre meu desejo de imortalidade fosse uma ótima alternativa. Ou ao menos seria se Kenna se manifestasse, ela estranha estranhamente quieta, provavelmente não se importava com a situação, e como já era costuma, ela pensava e eu agia, não que as coisas sempre seguissem esta ordem.

- Essa é fácil, se for imortal não preciso me preocupar com a próxima vez que alguém decidir me jogar em uma missão suicida. Falava dando de ombros como se fosse à coisa mais lógica do mundo. - Não entenda mal, até gosto desse tipo de missão, os ganhos sempre são bons, e os riscos tornam tudo mais divertido. O grande problema é se cada vez que aceitar uma delas eu quase morrer uma dúzia de vezes, não devo demorar em morrer de uma vez por todas. Completava cuspindo no chão para afastar o azar das palavras que havia dito. - Quanto mais imortal eu ser, mais fácil será conseguir completar qualquer trabalho que joguem contra mim, e quanto mais trabalhos, mais rico posso ficar. Sinto muito não ter uma razão oculta ou qualquer baboseira do gênero por trás desse desejo. Ser mercenário é apenas meu trabalho, não é normal querer facilitar a própria vida?

Meio que sentia uma pontada de desapontamento quando a imortalidade vinha à tona. Sentia aquela ardência com expectativa, mas quando ela tinha seu fim, não sentia nenhuma diferença, parecia que nada tinha acontecido. Por diversas razões não desejava atravessar a lança no peito para testar a imortalidade, apenas a manteria como um trunfo, um duvidoso e que pouco gostaria de usar. Perguntava-me o que aconteceria no caso de eu realmente morrer no prazo de imortalidade, quando ele acabasse eu morreria devido ao ferimento anterior? Era difícil dizer com certeza. Ao que tudo indicava precisaria sentir na pele para saber se morreria, ainda que não gostasse da ideia. De toda forma o deus afirmava ter completo sua parte na barganha, o orgulho como mercenário me impedia de negar-me a cumprir a minha, no pior dos casos ainda tinha certeza de que voltaria a ver aquele deus, cedo ou tarde.

- Muito bem, a moeda reagiu a essas duas coisas, pode escolher qual prefere, ou os dois, não sei qual o sentido de nenhum deles. Falaria revelando tanto a mascara quanto a escultura estranha, não me importando realmente em qual fosse a escolha do deus, ao menos havia cumprido a missão, e ainda estava vivo para contar a história.