Treinamento de Soldados e Cavalaria

O inferno, ou algo bem próximo disso, é o que se pode encontrar nessa área de treinamento. Não só por causa do nível de treinamento, mas também pelo ambiente. Logo que se sobe a tenebrosa colina, já é possível enxergar toda uma multidão diversificada e o cheiro forte de carne podre, enxofre e morte. Ao fundo, um imenso vulcão partido no meio esguicha lava para todos os lados, formando um Rio de Lava que rodeia quase todo o lado leste do acampamento. Não é muito incomum ver gritos de socorro e agonia vinda daquelas bandas, uma vez que as punições muitas vezes envolvem a lava e acarretam em mortes.

Os acampamentos montados são totalmente amontoados, mas se você pensa que não há organização só porque é o Exército de Takaras, está muito enganado. Por aqui transitam os mais grotescos e experientes generais, alguns sendo os mesmos generais que não caíram durante a Primeira Grande Guerra. Um deles é Kroghut, O Esmaga-Ossos. Trata-se de um enorme Orc de pele avermelhada e duas enormes presas salientes em sua mandíbula. Seu corpo carrega cicatrizes de inúmeras batalhas vencidas, e seu poderoso martelo vermelho-sangue faz juz ao seu nome. Kroghut é o atual líder e responsável pelo exército, sendo que todo treinamento e recrutamento passa pelas suas mãos calejadas. Não há um homem no acampamento que não o tema.

Os treinos são agressivos e desumanos, sendo necessário uma resistência acima do normal para suportar e manter-se vivo. Os soldados do exército de Takaras aprendem mais na prática do que na teoria. Até mesmo humanos de almas corruptas integram o exército Takariano. O céu, sempre negro e tomado por trovões, traz consigo harpias e outras bestas voadoras. Corvos e abrutes estão por todo o lugar procurando apenas uma oportunidade para se alimentar daqueles que fracassam. Os treinos geralmente se dão em pântanos e florestas que se situam ao redor do acampamento. A cavalaria é composta não apenas de cavalos corpulentos e agressivos, mas também por worgs de montaria: mais ágeis, estes lobos negros enormes podem carregar um orc nas costas por praticamente qualquer tipo de terreno, sendo muito mais versáteis. Para utilizar outras montarias, como os wyverns e necrodracos, é necessário antes subir de patentes para sequer merecer a chance de tentar montá-los.

O salário aqui é pago semanalmente, tendo o valor de 500 Moedas de Ouro, mas nem por isso são fáceis de conseguir. Os treinos torturantes, dolorosos, exaustivos e cruéis são a prova de que, para ascender a cargos maiores e ter mais respeito, tem de ser realmente merecedor.

Sim, a roupa era dele mesmo. Os outros odores nela provavelmente eram de quem o trouxe até ali, talvez sobre o ombro de um dos orcs, ou sobre o lombo do centauro. Então enquanto Yorr foi para a entrada da caverna como ordenado, Dentadas fez o seu relato.

— Ghork não era de se esconder em cavernas, procurar abrigo. Ele e seus soldados ficavam sempre em campo aberto, camuflados na terra. Quando meu mensageiro chegou lá, ele viu corpos carbonizados e a planície com vários focos de incêndio e muita fumaça. Quando eu cheguei, os corpos já tinha sumido, tornados em cinzas. A terra estava negra, chiando. O ar, pesado. O que quer que foi que caiu sobre eles, matou aquela área e iniciou uma atmosfera de autodestruição.

Ela falou sem hesitar, sustentando o olhar do comandante, o soldado de Hilydrus momentaneamente ignorado pelos dois. Ele, aliás, se remexia um pouco.

— Não conseguimos ficar lá por muito tempo — Dentadas continuou. — Apenas o bastante para constar que eles morreram separados pelo campo, não alinhados, não em formação. Entende o que eu digo? Foi um ataque surpresa. Mas este homem — Ela desviou o olhar, encarou o sujeito. — estava deitado próximo de um dos restos cinzentos, um dos soldados do Ghork. E ele estava simplesmente deitado e dormindo. Apenas com aquela roupa de Hilydrus e a cota de malha, e por baixo esses trapos.

Ela se referia ao que o homem usava agora, que era uma roupa modesta e velha, que ficava por baixo da armadura apenas para evitar arranhões e rasgos por causa da cota de malha.

— E também tinha isso — ela tirou do bolso uma manopla em miniatura, feita de bronze. Um trabalho artesanal. — Talvez fosse de Ghork, algum suvenir que pilhou por aí.

Ela passou a manopla para Lywan. Estava intacta, apenas suja de cinzas. O cheiro nela era de Dentadas, e antes disso de alguma outra pessoa que não era o homem na caverna. Talvez realmente pertencesse à Ghork ou um de seus soldados.

Quando Dentadas tirou a mordaça do homem, ele sugou o ar e disse, desesperado, mas fraco, quase sem forças:

— Eu não sei, eu não sei de nada. Eu não me lembro... por favor... a minha barriga dói... por favor. Eu não sei de nada.

E se remexeu um pouco. Ele provavelmente gastou todas as forças pra gemer alto, quando acordou.

E Dentadas certamente não era de perder tempo quando queria saber alguma coisa, pois ela foi escolher justamente aquele momento para isto:

— E você? — Ela olhava para Lywan. — Não sei nada sobre você. Como entrou para o exército? Me entenda mal, se quiser, não ligo. Mas Zurick sabia de algumas coisas e quando finalmente acontece alguma coisa e eu volto pra falar com ele, descubro que está morto. Morto por você. Entende o quão suspeito isso é?

Apenas o soldado de testemunha daquela conversa. Talvez Dentadas acreditasse que o homem de Hilydrus não sairia vivo dali, por isso falava abertamente com o comandante naquele momento. Queria as cartas na mesa.